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Considerações críticas acerca da gênese da geografia moderna

José Romero Araújo Cardoso[1]
Marcela Ferreira Lopes[2]

Embora remonte à antiguidade clássica, quando integrou a pauta de grandes pensadores que intercalaram dois vocábulos da língua grega a fim de buscar a compreensão dos fenômenos humanos e naturais, a geografia moderna só veio ser sistematizada no século XIX.

A Prússia reivindicava primazia dentro da complexa situação verificada na segunda metade do século XIX, quando ainda permaneciam ao longo de suas fronteiras existência medieval através de ducados e principados, cujo modus vivendi, bem como estrutura político-administrativa, articulavam-se anacronicamente com o antigo regime.

Vencida a disputa com o império austro-húngaro, a Prússia, poderosa potência europeia, encabeçou o processo de unificação germânica, absorvendo paulatinamente territórios indispensáveis à sua pretensão de galgar hegemonia no continente.

Completada tardiamente, a unificação alemã, verificada integralmente somente em 1870, transformou-se em ponto nevrálgico nas relações externas, principalmente com a Inglaterra e a França, pois a revolução burguesa havia se efetivado há mais tempo, estando esses países inseridos imemorialmente no imperialismo, fase superior do capitalismo na época.

Para tanto, fez-se necessário sistematizar a ciência geográfica, dando-lhe caráter científico através de uma série de medidas, principalmente ênfase à fundamentação teórica alicerçada no positivismo de Augusto Comte.

Entre outras medidas indispensáveis, encontrava-se a necessária opção pelo estudo das condições naturais apresentadas pelas diversas partes do planeta, visando implementar o maior número possível de informações basilares sobre riquezas minerais que pudessem ser usadas no crescimento da Alemanha, sobretudo no setor industrial.

Formava-se a Escola Determinista, cuja influência na geografia clássica foi decisiva, pregando que o homem era produto do meio. O determinismo geográfico, esboçado principalmente na Antropogeografia de Ratzel, definiu que as condições naturais determinam a vida em sociedade, chegando ao ponto de deturpar a teoria da evolução das espécies de Darwin, através da qual há nítida inspiração do teórico alemão a fim de fazer valer suas pretensões, bem como, principalmente, as do seu País e da classe dominante deste.

Naturalistas como Alexandre Von Humboldt, Karl Friedrich Philipp von Martius, Johann Baptist Von Spix, Carl Ritter, Fritz e Herman Muller realizaram observações em diversas partes do globo, contribuindo decisivamente para o avanço dos estudos das ciências naturais, bem como, principalmente, para o reconhecimento do efetivo potencial econômico de grande parte do planeta pelo país de origem.

Considerado, ao lado de Humboldt, pai da geografia moderna, Ratzel notabilizou-se em razão de ter cunhado o termo espaço vital (em alemão, Lebensraum), cuja síntese pode ser definida através de máxima da geografia política, a qual preconiza que toda a sociedade, em um determinado grau de desenvolvimento, deve conquistar territórios onde as pessoas são menos desenvolvidas. No início do século XX, Rudolf Kjellèn acresceu o termo geopolítica às discussões.

A teoria do espaço vital passou a ser ensinada em escolas e universidades alemães como verdade absoluta, tendo influenciado decisivamente na formação da mentalidade nacional a ponto de ser encarada como condição sine qua non para o sucesso das pretensões germânicas no que tange à busca incessante pelo quinhão que, intransigentemente, considerava negado pelas potências hegemônicas daquela época turbulenta.

Posta em prática contra a vizinha França, a teoria do espaço vital de Raztel revelou-se mortífera e descomunal, inaugurando, quando da guerra franco-prussiana (1870-18710), as famosas blitzkriegs.

As indispensáveis minas de carvão mineral existentes na Alsácia-Lorena, localizadas na fronteira com a Alemanha, motivaram a cobiça germânica em se apropriar do território imprescindível à continuidade do projeto industrial da poderosa potência que surgiu tardiamente na década de setenta do século XIX.

Disputas por espaço vital a parte, a classe dominante francesa teve que se aliar aos invasores em 1871, quando da formação da Comuna de Paris, pois privilégios estavam sendo ameaçados pela forma organizacional da estrutura de inspiração anarquista. 

O surgimento de uma escola francesa, capitaneada por Paul Vidal de La Blache, destaca a importância auferida pela geografia no que diz respeito à formação de opiniões e validação de interesses.

Bismark, poderoso primeiro-ministro de Sua Majestade o Kaiser Guilherme I não poupou retórica ao afirmar que a guerra franco-prussiana tinha sido ganha com a forma como a educação estava sendo implementada na Alemanha, estruturada para fazer a guerra.

Iniciativa oriunda das pregações contidas nas doutrinas formuladas por Ratzel encontra-se no padrão do calibre das armas alemães. Enquanto na Inglaterra era o 0.44 e 0.45 mm os mais usuais, na Alemanha chegaram aos absurdos 7mm e 7.65mm, respectivamente os calibres do potente fuzil Mauser e da pistola Luger Parabellum, sem falar nos calibres atingidos pelos mortíferos canhões Krupp.

A geografia ensinada na Alemanha preparava todos para a guerra, a qual não tardaria a ser deflagrada, há pouco mais de cem anos. O orgulho dos Países europeus que detinham a hegemonia não seria facilmente sufocado pelo verdadeiro fanatismo nacionalista que se instalou em terra germânicas.

O Kaiser Guilherme II convocou Conferência Geográfica que se realizou em Berlim no início da década de oitenta do século XIX. A pressão pelas armas surtia efeito animador no sucessor do monarca que efetivou a unificação da Alemanha.

A principal pauta enfatizava a necessidade de repartilhar as colônias, sobretudo inglesas e francesas na África e na Ásia. Era, mais uma vez, a teoria do espaço vital sendo chancelada pela orgulhosa Alemanha.

Pressionada ao limite aceitável. França e Inglaterra concordaram, em tese, no repartilhamento das imprescindíveis colônias, fornecedoras das indispensáveis matérias-primas que asseguravam boa parte do desempenho industrial nesses países europeus.

A questão mais delicada envolveu a negociação acerca da cessão de parte da África oriental para a Alemanha. No subsolo dessa estratégica região africana encontravam-se matérias-primas de valor inquestionável para o sucesso daquela fase da revolução industrial daquela época.

A ousada iniciativa que alicerçava as bases da geografia desenvolvida na Alemanha não tardou a se chocar com os interesses que norteavam o imperialismo inglês e francês. A primeira guerra foi deflagrada em 1914, dando provas que as rivalidades culminaram no primeiro grande conflito do século XX.

Esmiuçada a partir de 1970, enfaticamente quando da publicação de A Geografia, isso serve em primeiro para fazer a guerra, autoria do professor francês Yves Lacoste, a geografia clássica, sobretudo a desenvolvida na Alemanha, vem sendo analisada criticamente sob a ótica do materialismo histórico e dialético, embora duramente criticada pelos oponentes, pois afirmam que a etimologia comporta apenas a fundamentação teórica calcada no positivismo de Augusto Comte.

A geografia dos Estados-Maiores e a geografia dos professores delimitaram campos de interesses que firmaram sólidas bases a partir do momento em que foi usada essa ciência a fim de fazer valer prerrogativas inseridas diretamente no jogo de poder que marcava significativamente relações internacionais em uma Europa conturbada pelas disputas e conquistas. 


[1] José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor-Adjunto IV do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/UERN).
[2] Marcela Ferreira Lopes. Geógrafa-UFCG/CFP. Especialista em Educação de Jovens e Adultos com ênfase em Economia Solidária-UFCG/CCJS. Graduanda em Pedagogia-UFCG/CFP. Membro do grupo de pesquisa (FORPECS) na mesma instituição.


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