(*) José Romero
Araújo Cardoso
O vaqueiro do nordeste
semiárido distingue-se dos demais espalhados pelo Brasil principalmente em
razão da indumentária que o protege contra os machucados produzidos pelos
espinhos encontrados em profusão em diversas plantas das caatingas.
Heróico e bravo, o vaqueiro
das veredas da terra do sol tornou-se personagem importante da ocupação da
hinterlândia nordestina. Quando das festas de apartação, origem das atuais
vaquejadas, a habilidade em buscar o boi no mato fazia do vaqueiro a figura central
dos eventos, despertando suspiros em mulheres encantadas com a coragem daqueles
que desafiavam os perigos da flora adaptada aos rigores das intempéries da
região castigada pelas secas.
Importantes personalidades da
história política e literária do estado do Rio Grande do Norte, a exemplo dos
irmãos Auta de Sousa, Eloy e Henrique Castriciano de Sousa, foram frutos do
casamento da filha de rico fazendeiro com o vaqueiro da propriedade da qual era
agregado.
Hino sagrado das vaquejadas
nordestinas, a música “A saga de um vaqueiro”, composição da genial Rita de
Cássia, conta com invulgar perfeição o amor de um lidador de gado das caatingas
bravias, derrubador de bois em vaquejadas, pela filha de pessoa bem situada na
hierarquia da sociedade sertaneja agropastoril.
Impossível disfarçar a emoção quando
vocalistas de bandas como “Catuaba com Amendoim” e “Mastruz com Leite” atiçam a
identidade nordestina fazendo a sanfona produzir os acordes introdutórios que
iniciam a narrativa da história do desditado vaqueiro apaixonado por bela
morena, mas que em razão da pouca significância de sua posição social é
humilhado pelo pai da sertaneja fascinada pelo calor das vaquejadas.
Rita de Cássia nos transpõe
com sua música ao universo dos espaços atuais que correspondem aos antigos
cenários das pegas de bois e das corridas de mourão, onde o romantismo campeava
solto pelas veredas da terra do sol, definindo casamentos fugidos, os quais
desafiadores á ordem social estabelecida, contribuiu enfaticamente para a
mestiçagem do povo nordestino.
Em “A saga de um vaqueiro” a
paixão desesperada segue a momentos de atribulações e desespero em razão da
forma como a família da moça ergueu uma série de obstáculos visando evitar a
concretização do enlace entre os jovens enamorados.
Emoção maior está contida na
forma como o vaqueiro, depois de anos afastado da região na qual seu grande
amor se encontrava, descobre que seu opositor que o vence na disputa pelo
primeiro lugar era na verdade fruto do tórrido romance que teve com a mulher
com quem anos antes não pode se casar.
Compositora de raros dotes,
Rita de Cássia atingiu o ápice quando resolveu compor uma das mais belas odes
que narra de forma ímpar algo que está indissociavelmente presente no cotidiano
da terra na qual imperam as grandes tradições como a vaquejada.
(*) José Romero Araújo
Cardoso. Geógrafo. Professor da UERN.
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