Luiz Gonzaga e a defesa do
assum preto
(*) José Romero Araújo Cardoso
Há pouco tempo era comum o
sertanejo cometer a absurda prática de cegar o assum preto com instrumentos
perfurantes toscos, os quais invariavelmente causavam-lhe danos irremediáveis
que o levava à morte.
Para desfrutar do canto sonoro
produzido quando esse pássaro era submetido ao suplício da cegueira induzida,
não se importavam com o sofrimento atroz que passava a atormentar a pobre ave.
Luiz Gonzaga e Humberto
Teixeira quando compuseram esse grande sucesso tornaram os adeptos dessa
prática mais sensível ao drama de uma existência marcada pela aflição dessas
aves, pois não enxergando a luz emitia gritos desesperados de dor e de
tristeza, para deleite dos seus algozes.
Era comum nas feiras do sertão
encontrar esses pássaros expostos à venda, cujo destaque estava na forma
extremamente sádica como os olhos eram extirpados, pois a certeza de que eram
realmente cegos significaria belos sons do clamor dos pobres animais “animando”
o cotidiano das residências e terreiros espalhados pelas quebradas do sertão
nordestino.
Luiz Gonzaga e Humberto
Teixeira foram muito felizes quando inseriram as belezas do sol de abril e da
mata em flor nesta antológica composição, tendo e m vista que cego dos olhos
seria impossível para o sofrido assum preto desfrutar da natureza ao seu redor.
Feliz momento quando da
composição da música encontra-se na inserção de coisas peculiares às emoções
presentes no gênero humano, como a ênfase à perda de um grande amor a fim de
traduzir a tristeza do cantador pela infelicidade que acometeu a si próprio relacionando-a
com a desdita do assum preto em razão da maldade humana, ambas intercaladas
indissociavelmente na marcante composição que assinalou de forma enfática um
dos grandes momentos da arte gonzagueana.
A composição e a divulgação de
assum preto transformaram Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira em grandes
defensores da nossa natureza tão ameaçada no presente, sobretudo devido ao
vertiginoso processo de desertificação, responsável pela extinção do habitat de
inúmeras espécies animais que imprescindem das matas para viver.
Muito sofrimento foi evitado
com esta ode à ecologia de nossa região, pois houve sensibilização da maioria
para que houvesse a formação de novas consciências sobre a relação do homem com
os nossos irmãozinhos “inferiores”, exponencializando-se em uma época o que
hoje denominamos de consciência ecológica.
Não obstante os esforços
olvidados por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira para denunciar o criminoso ato
de cegar o assum preto para que a pobre ave cante melhor, observamos com
tristeza que ainda resiste da parte de muitos inconscientes a prática cultural
de forma aprimorada, pois ao invés de arames e ferros incandescentes cegando o
assum preto, agora o cegam com luzes fortíssimas que provocam o mesmo efeito de
outrora.
(*) José Romero Araújo
Cardoso. Geógrafo. Professor-adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade
de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte.
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