Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco1
A
matéria publicada na Revista Caros Amigos (no 232/2016) intitulada
“Sob o mito da energia limpa” da jornalista Lillian Primi foi a motivação dos
comentários que faço a seguir. Falar em energia nos aproxima de temas
correlatos como economia, meio ambiente, tecnologia, modelo de sociedade. Logo,
difícil, ou quase impossível encontrar consensos nesta discussão.
Todavia
alguns pontos são inquestionáveis, e mesmo assim conceitos são deturpados junto
a população. É o caso do uso frequente do termo “energia limpa”. Toda fonte
energética ao ser convertida em outra forma produz algum tipo de resíduo, emissão,
contaminação, poluição, que afeta o meio ambiente e as pessoas. Além de que as
obras e instalações realizadas para o processo de geração, dentro do modelo de
expansão vigente, e mesmo a transmissão
da energia, provocam danos, expulsões, privações, prejuízos, destruições de
vidas e de bens muitas vezes permanentes e irreversíveis. Portanto é falso e
desaconselhável o uso deste termo. Meros interesses econômicos da mídia
corporativa, aliada das empresas tentam confundir quando antepõem energia limpa
versus energia suja.
Fato
é que as chamadas fontes não renováveis – petróleo, gás natural, carvão e
minérios radioativos são as principais responsáveis pelo aquecimento global,
pelas emissões que provocam, e consequentemente, com as mudanças climáticas que
ocorrem no planeta. Evidentemente, este efeito é agravado de maneira substancial
pelo modo de produção e consumo da atual civilização. E aqui é ressaltado o
papel nefasto do petróleo e seus derivados como o inimigo número um do
aquecimento global.
Por
outro lado, as fontes renováveis de energia – sol, vento, água, biomassa são as
que menos contribuem para as emissões de gases de efeito estufa, e
consequentemente, para as mudanças climáticas. Mas ai tem um porém, e que foi
muito bem registrado na referida matéria sobre os problemas socioambientais
causados pela geração centralizada da energia eólica, e o que tudo indica também
da energia solar fotovoltaica. O atual modelo de implantação e expansão destas
tecnologias é tão catastrófico do ponto de vista socioambiental, como o do uso
das fontes não renováveis. Neste caso a vantagem comparativa inexiste. É o que ocorre
atualmente no Nordeste brasileiro com a devastação do bioma Caatinga, e com as
mudanças dos modos de vida infligidas às populações que se dedicavam a pesca,
coleta de mariscos, e a agricultura familiar.
Há
uma discussão sobre a questão das mega hidroelétricas com a construção das
barragens. Alguns gestores públicos, membros da academia, técnicos e grupos
empresariais, ainda insistem na defesa de grandes e destruidores
empreendimentos, onde as desvantagens superam em muito as vantagens. Os
deslocamentos de milhares de pessoas acarretam danos irreversíveis a estas
populações, conforme constatações históricas. Por outro lado, é consenso que as
hidroelétricas também emitem uma considerável quantidade de GEE, principalmente
o metano resultante da degradação microbiológica da matéria orgânica existente
nos reservatórios. Todavia, os
defensores desta tecnologia, após terem que aceitar esta contastação científica,
ainda tentam desqualificar aqueles que são contrários a construção de mega
hidroelétricas na região Amazônica, insistindo erroneamente em afirmar que são
imprescindíveis.
Neste
contexto não se pode esquecer que vivemos em um sistema capitalista, onde o lucro
é o objetivo principal. E aí o vale tudo tem imperado. Desde o afrouxamento da
legislação ambiental para atender aos interesses econômicos imediatos, a falta
de fiscalização sobre tais empreendimentos, e os contratos draconiamos de
arrendamento da terra. Em nome da
maximização do lucro, o meio ambiente e as pessoas acabam sendo prejudicadas,
com o Estado se omitindo e muitas vezes incentivando práticas não condizentes
com os discursos de proteção ambiental e de sustentabilidade.
Logo,
os investimentos em fontes renováveis estão orientados pela lógica capitalista,
e são tratados como um negócio como outro qualquer, e muito rentável, onde o
lucro e a justiça são incompatíveis. É o que tem atraído fundos de pensão de
outros países, empresas multinacionais e nacionais, grandes investidores
particulares que encontraram no Brasil um filão para os “negócios do vento e do
sol”, aliados a uma legislação que muda conforme seus interesses.
Como
bem constatamos na história recente do país, o “capitalismo brasileiro” não
convive com a democracia, com a justiça ambiental, com os direitos sociais. E é
nesta lógica, em um país onde a informação é controlada e manipulada, que os
interessses dos grupos empresariais, que se dedicam aos negócios da energia
prosperam e com altas taxas de exploração. Com a inexistência plena da
liberdade de imprensa, discussão junto a sociedade sobre energia para que? Energia
para quem? E como produzi-la? Acabam restritas a setores acadêmicos e a poucos
grupos sociais.
Verifica-se
que na questão energética, em particular, na expansão das fontes renováveis de
energia solar-eólica, o Estado é o maior gerador de conflitos socioambientais. Contraditóriamente, diante da
função que seria de mediar os conflitos de classe, o Estado brasileiro tem lado,
e favorece os grupos empresariais.
Nesta
discussão, a segurança energética de um pais é assegurada pela diversidade e
complementariedade. Ambas não repousam somente no duo eólico-solar, e sim em um
mix de tecnologias disponíveis localmente e escolhidas dentro de critérios técnicos
e socioambientais para satisfazer as necessidades dos diferentes setores da
sociedade.
Parabenizo
a jornalista Lillian Primi pela provocação. Lamento que na sua matéria somente alguns
interesses foram representados e tiveram voz, em particular, técnicos cujas
posições são bem conhecidas em prol das megahidroelétricas.
1 professor aposentado
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